06 novembro, 2005

Show: Los Hermanos na roça!

Ei, Amarante, toca uma pra mim!

Mas olha se não são eles, de novo. Los Hermanos, a banda brasileira mais cultuada desta década pela crítica e universitários estudantes de Comunicação e humanidades em geral. A que desperta mais amor e ira, adoração e pichação, teorias e indiferença, ao mesmo tempo. Acima de tudo, uma banda que desperta as mais íntimas contradições nos que se arriscam a contextualizá-la [porque eu nunca li uma crítica que os defendesse com argumentos sólidos, nem alguma que os criticasse que não fosse gratuitamente]. E, justamente por isso tudo, um show deles é algo bastante interessante de ANALISAR. Não apenas musicalmente. Aliás, comecemos pela única coisa que deveria importar: o som.

A Estrutura, aqui em Taubaté, é conhecida por prover um som de merda à maioria dos artistas que lá se apresentam, seja Tati Quebra-Barraco ou o João Bosco. E não foi diferente com os cidadões aqui em questão: quase em nenhum momento do show foi possível entender claramente alguma palavra das letras das músicas [o que aparentemente não incomodou ninguém, já que a maioria dos presentes parecia saber todos os versos de cor]. O som embolava ainda mais quando os guitarristas Amarante e Camelo resolviam atacar na distorção, como na ótima "Condicional". Uma maçaroca sonora terrível, que não condiz com a qualidade e o tamanho do equipamento da casa. Vai ver que a direção do recinto [ou o técnico de som] pensa que todos ali engoliriam qualquer merda. Desculpem-me. Meu ouvido não é penico. E não fui só eu que reclamei.

"Então quer dizer que a casa cagou o show?". Quase. Por incrença que parível, esse foi disparado o melhor dos três shows que já vi dos caras. Pela perfórmance no palco, não pelo som, é bom que se diga. Marcelo Camelo aprendeu a se portar como um músico de banda, o que fazia muita falta nos shows do LH. A desenvoltura novidadeira talvez seja fruto de sua visível evolução como músico [o meninão está tocando paca, debulhando com propriedade uma Hofner semi-acústica de três captadores tipo "torradeira" que é o bicho]. Amarante mandou aquela simpatia de sempre, recebendo pedido de casamento das meninas e também tocando guitarras cada vez mais belas. E melhor.

Importante, e sem vaselina: o disco novo FUNCIONA BEM PRA CARALHO AO VIVO, ao contrário do que andaram escrevendo por aí. Tocaram-no na íntegra [tem o setlist no site oficial], inclusive as difíceis [na falta de outro adjetivo melhor] "É de Lágrima" e "Os Pássaros". O que em 4 parecia lento e melancólico, ao vivo ganha um sabor um pouco diferente, uma força que parece compulsória. Outra boa do disco, "Pois É", teve aquela marretada de guitarra reproduzida com classe, pompa e circunstância, golpeando certeiramente o córtex dos presentes [o meu, pelo menos]. "Condicional", citada alguns parágrafos acima, é uma cartada de mestre dos Hermanos em show. As bossinhas, insossas na gravação, caíram bem e nem a odiosa "Horizonte Distante" conseguiu desagradar. Diante de tanta malhaçao que havia lido sobre as músicas novas deles ao vivo, resta dúvida: ou todos ficaram loucos ou eu é que não sou tão ranheta assim. Voto pela segunda opção, apesar de saber que não conto com o apoio de vocês nessa questão. Eu compreendo...

O final com "O Vencedor" foi a chave de ouro de um show quase excelente. [Só ficou faltando "Cadê Teu Suín-?", uma das preferidas da casa. Mas ok, eu posso suportar: pra quem foi ver o Television e ficou na saudade de ouvir "Friction", é o menor dos males]. A coisa toda terminou com confetes e serpentinas pra todo lado, narizes de palhaço em vários dos presentes e festa e comoção e fãs em prantos e gente morta e sexo e um sorriso de satisfação em todos.

TODOS.

TODOS?

Aqui está a questão primordial que permeia a coisa toda.

Mais ou menos lá pela sexta música, estávamos eu e o amorzããão contemplando aquela apresentação quando um cidadão chega do meu lado e pergunta:


- Cê que é o BOI?
- Sim, sou eu. Por quê?
- Você tá analisando a banda, né?
- O quê?
- Cara, pára de analisar o show e curte.
- Hein? De onde você me conhece?
- Eu conheci você pelo vídeo do *.
- Ah, sim. Mas não tô analisando nada. Tô de boa...
- Cara, você tem que entender que eles são a nova Legião Urbana.
- Oi?
- Olha só, cara! Todo mundo cantando junto! Lindo, não é? Eles são a nova Legião Urbana.


Muita hora nessa calma. Inspira, respira, inspira, segura, conta até dez, expira. Meu caro colega, o Los Hermanos não são a nova Legião Urbana. Nunca serão. Porque estão restritos a um público de classe média, com acesso a música não propagada pelas rádios pop. Os Hermanos tem apenas UM sucesso comercial, o qual eles próprios e seu séquito renegam. [Inclusive cabe aqui um fato rápido: quando disse lá no trampo que ia ver o show do LH no sábado, me perguntaram "Cê curte 'Anna Júlia'?". Respondi que não e que eles nem tocam mais essa música nos shows. Tréplica: "Ué, então que músicas eles vão tocar?"]. Até onde eu sei, qualquer pessoa no Brasil, que tenha ouvido rádio nos últimos vinte anos, sabe dizer ao menos o nome de uma música da Legião. Não é demérito algum eles serem uma banda restrita a um público semi-elitizado culturalmente; este que parece querer alçar os Hermanos ao nível de importância de uma Tropicália [QUE PASSAVA NA TV, TOCAVA NO RÁDIO E SAÍA NAS PÁGINAS DOS JORNAIS, NÃO SE ESQUEÇAM].

Em meio a quase uma década de estabilidade econômica e política [numas], sem guerras e sem grandes ídolos, a ânsia da pós-adolescência em ter algo de importante acontecendo em seu tempo cria aberrações comportamentais como as eternizadas por Adolar Gangorra [por mais que haja sacaneação no texto, é um retrato perfeito de onde as coisas estão ameçando chegar: eu mesmo recebi olhares ameaçadores de AMIGOS MEUS ao ameaçar gritar 'toca Anna Júlia']. É uma dose letal de fanatismo embalada na falta de senso de humor e ironia saudável. Saber distinguir o trabalho de uma banda do culto criado por seus fãs, em casos como este, é uma tarefa difícil. O amor ajuda um pouco, mas é necessária muita boa vontade. Como tentar ouvir Oasis ignorando as bobagens que o Liam Gallagher fala: talvez você descubra uma boa banda, talvez você descubra uma porção de enganadores, talvez aquilo mude sua vida. No meu caso, por mais que eu ache a maioria dos fãs do LH um bando de malas sem alça**, prefiro encarar pelo fato que os shows dos barbudos renderam rolês historicamente divertidos. Cada um com as lembranças que lhe competem. As minhas são ótimas, obrigado.

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Em tempo: a Legião Urbana em 2005 se chama CHARLIE BROWN JR., que tem músicas aos quilos tocando por toda parte, vende os tubos de CDs, leva mais de 10 mil pessoas aos shows em qualquer lugar do país e parece vender mais camisetas com a imagem de seu langanho vocalista do que pastel na feira. Que deus nos mande uma guerra para cultuarmos heróis de verdade. O mais rápido possível.

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* O Dé é um camarada da faculdade [e fã de Los Hermanos] que fez um TCC sobre bandas de diversos estilos no Vale do Paraíba; e pegou o Seamus como "exemplo" de banda de rock alternativo. Ficou bem massa, o vídeo. Inclusive ele já recebeu autorização para ser divulgado num futuro DVD do Seamus, este que deve sair antes de 2010. Quem sabe.

** O amorzããão é uma grande fã de Los Hermanos, mas sabe se defender muito bem. Logo que entramos na Estrutura, ela me apontou o amontoado de gente que parasitava a zona do gargarejo duas horas antes do show e disparou: "Olha, eu adoro Los Hermanos, já perdi o critério com eles e etc, mas aquilo ali já é fanatismo demais".